quinta-feira, 28 de julho de 2011

O tempo e o destino

Entrou na empresa aquela manhã como geralmente fazia. Bem humorado, em paz com a vida, com um bom dia para cada um, como se pessoa por pessoa, todos merecessem sua atenção. Estava feliz também porque havia recebido garantias de que, mesmo com a mudança na empresa, seu cargo estava garantido. Afinal, eram quase 20 anos de serviços prestados. Edgar era um funcionário exemplar. Além de uma excelente rede de relacionamentos, conhecia do negócio. Sabia o que o mercado queria e sempre se atualizava.
Entrou em sua sala, deixou o paletó na cadeira, sentou-se para degustar o café sagrado de cada dia. Dona Rosa tinha caprichado ainda mais no pretinho. Estava quente, saboroso e chegou na hora certa. Depois de uma rápida passada pelos sites e mensagens, seu telefone tocou. Foi chamado para uma reunião com alguns colegas e superiores.
Botou o paletó de novo e seguiu para o andar de cima. Uma reunião a mais, outra a menos. Essa vinha sendo sua vida. Estranhou apenas que ninguém havia lhe falado nada sobre a presença de alguns dos diretores vindos da matriz. Geralmente ele era um dos primeiros a ficar sabendo.
Na sala, seis caras conhecidas e um jovem executivo que ele nunca tinha visto. O sétimo elemento nem lhe deu muita bola. O ambiente estava sombrio. Um dos seus melhores amigos, Paulo Henrique, foi quem puxou a conversa. Edgar, é o seguinte. Vou direto ao ponto, porque também to sofrendo muito com essa surpresa. Esse rapaz aqui, Augusto, vai ocupar teu cargo a partir de hoje. A empresa vem passando por mudanças, sei que tinha te dado outra informação, mas decidiram colocar alguém mais jovem para trabalhar em suas funções.
Demorou um minuto, ou dois, mas um tempo que parecia do tamanho de um dia inteiro, com madrugada e tudo, para Edgar começar a balbuciar alguma coisa. Assimilar o golpe talvez fosse impossível. As primeiras palavras mal saíram. As lágrimas jorraram com um pouco mais de facilidade. Ele não acreditava que estava sendo mandado embora daquele jeito, e a frase sobre a idade pegou como um soco na boca do estômago. Ficou enjoado! A sala parecia diminuir de tamanho e os rostos aparentemente sentidos, perderam o sentido. O filme que passou em sua cabeça, misturava passado, família, noites em claro, projetos, viagens, sonhos. Cabeça que estava com mais cabelos brancos do que a maioria, é verdade. Mas Edgar era um poço de juventude. Ao menos era nisso que acreditava...
Os dias que se seguiram foram os piores de sua vida. Janaína, a esposa, me contou que  ele ficou dentro de casa por mais de uma semana. Sem sair nem para o quintal. A dor da demissão era prima da dor das palavras mal proferidas. Se dissessem algo mais pesado, ou acusassem de incompetência, talvez não tivesse doído tanto quanto ser substituído  por um jovem com cara de colegial. Seu choro impediu que continuasse a falar. Peguei o endereço da clínica de recuperação para dependentes do álcool com  um dos filhos. Começava ali minha jornada para tentar salvar o que restou do Edgar...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Entre miados e ronronados

Além de quatro humanos, temos em casa três gatos. O Maurice, o Zoboo Mafú e a Sophie.  Assim mesmo, com ph, para dar charme. E charme ela tem de sobra. É uma gatinha persa, cinza, com uma beleza de parar o gatil. Sonho de consumo da esposa, realizado graças a amigos que nos deram de presente. Os dois machos são o exemplo do felino sossegado. Maurice, carinhosamente chamado de Teteco, é persa também. Branco, com extremidades amarelas, volta e meia fica mais para o bege. A cor indica que, como ele não é um camaleão, está na hora de mais um banho. Se quiser continuar dormindo na cama...
Já Zoboo é o exemplo maior de fidelidade e gratidão animal. Ele foi encontrado por minha filha mais velha, adotado, recebido com honras de herói de guerra. Como forma de expressar seu carinho segue a salvadora por toda a casa, o tempo todo. Com o perdão da comparação, fanáticos que me perdoem, o gato parece um cachorro. Daqueles de cinema, que esperam o dono, vivem pelo dono, morrem por ele. Nosso Zoboo tem outra característica: é gordo, muiiito gordo! Uma barriga desproporcional, que causa algumas dificuldades. Sentar, ou tomar um banho de gato é tarefa de reality show para ele.
Com os três completamos nossa felicidade. Claro que temos as mesmas manias de qualquer dono apaixonado. Falamos com eles, sentimos falta quando estamos longe, e sofremos quando um dá uma escapada. Aquela fugida leva todos da casa para uma perseguição pelo condomínio. Casas de vizinhos, embaixo dos carros, folhagens, tudo minuciosamente filtrado. Ainda bem que tem sido fácil reencontrar a turminha. Nenhum  se especializou  em esconde-esconde.
As tarefas se dividem por segmento e gênero. Mãe e filhas dão o banho. A filha mais nova trabalha mais nesse setor; virou especialista. Eu escovo e tiro os pelinhos embolados. Alimentação é tarefa de todos. Potinho sem água e sem comida, precisa de reabastecimento. Com filhas no território preguiçoso da adolescência, é preciso de vez em quando relembrar que animal de estimação não é um tamagochi. São seres vivos que necessitam de cuidados diários e constantes.
O problema de tanto xodó é conseguir impor limites. Os dois persas praticamente não miam. Mas tem seu jeito peculiar de pedir para entrar e sair do quarto ou ganhar um cafuné extra. Já o Gordo mia. Mia alto, se for preciso. Especialmente quando se sente só. Mas no fundo, no fundo, nenhuma exigência deles é pesada para ninguém.  Pode se dizer que praticamente nos consideram membros da família...

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Tá rindo de quê?

De repente, quando acordei, tinha uma bola na ponta do meu nariz. Vermelha, igual a de um palhaço. Fui ao espelho, olhei, esfreguei os olhos, vi que não era sonho. Tinha mesmo uma bola ali. E não saia. Cocei, peguei, apalpei, pensei em tentar arrancar, mas nada. Ela continuava firme. Só faltava a maquiagem e o circo. Liguei para um médico amigo e falei a respeito do corpo estranho que agora fazia parte do meu corpo. Ele riu, achou que era brincadeira, depois viu que eu não estava em condições de fazer palhaçada. Só estava com cara de palhaço. Duro foi achar um disfarce para sair, chegar ao consultório sem ser notado. Impossível, claro! Assim que apareci na garagem do prédio o Gabriel, filho do Nonato gritou pra todo mundo ouvir: Olha lá, olha lá, o nariz de palhaço...Vermelho de raiva e vermelho na ponta das narinas, sai bufando. O que, nesse caso, deixava minha situação ainda mais ridícula.

Quando cheguei ao consultório, vergonha das vergonhas. Meu médico precisou sair. Falei para a recepcionista que era um caso grave. Ela riu! Do que falei ou da minha cara? Nunca saberei, mas comecei a pensar em entrar para os doutores da alegria. Nariz eu já tinha...Esperei num canto, longe de todos. Óbvio que o comentário na recepção não poderia ser outro. Era eu o alvo das risadinhas, piadinhas e ti-ti-ti. O bobo da corte...

Quando o Orlando chegou, veio com a piada pronta: Meu grande amigo, disse ele, agora sim posso voltar para meu empreendimento. Orlando Orfei volta à estrada em grande estilo. Que merda! Meu médico tinha que ter nome de dono de circo. E ainda era um péssimo piadista.Aguentei as brincadeiras de praxe no consultório  e o exame começou. Veio uma junta médica. Eu era o objeto de estudo mais estranho que havia aparecido ali em anos. Uma bactéria, um fungo, uma alergia, um câncer, uma espinha gigante, um implante extraterrestre... tudo quanto é teoria pintou entre análises mais sérias e gaiatices. O formato do nariz pedia isso! Fui examinado a fundo, filmado, fotografado, debatido. A conferência on line daquele dia girou em torno disso. Até mesmo uma possível nova doença foi ventilada: algo como Narinas de Arlequim, pra não dizer palhaço, de cara.

Infelizmente precisei operar. E com um dos maiores nomes da cirurgia plástica do país. A bola não sairia sem essa intervenção. Pedi para ficar internado. Não iria embora com o nariz assim nem se fosse chamado pelo Cirque De Soleil. Ainda bem que tudo correu bem. Em poucos dias eu já estava de volta à rotina. Até aprendi a rir dessa história. E a conviver com o apelido que me deram: Arrelia. E dos convites que ainda recebo para alegras festas de criança. Para os mais íntimos respondo com uma piada pronta também: Só se tua mãe for a mulher barbada...