sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Manteiga derretida



Ele não teve mãe, nem pai. Foi criado de casa em casa e viveu infância e juventude como quem recebe favores. De favor em favor sua vida encheu o papo. Por essas e tantas outras razões o Natal não lhe dizia muita coisa. Espírito de  Natal? Era mais fácil acreditar em fantasmas, saci, mula-sem-cabeça. Numa vida em que não havia presentes, o futuro tinha tudo para ser um caos. Que nada! O homem de quem falo hoje é um cidadão exemplar. Pai amoroso, amigo fiel, profissional dedicado, um regalo para quem com ele convive.
Então a gente não é fruto do meio onde vive? Sim, claro que é. Mas nem sempre o meio desprovido de amor produz desamor. Nem sempre o abandono redunda em revolta. Nem sempre a falta de colo impede que um ombro esteja disponível para todas as lágrimas.
Hoje, quando ele fala de Natal, não é da falta de família na infância que se lembra. O  25 de dezembro agora significa outra coisa. Esposa, filhos, netos, colegas de trabalho, amigos que estão, amigos que são, amigos que já  foram. A data nem quer dizer tanto. Na verdade o homem sobre quem escrevo é daquelas figuras raras que batem de frente com o parecer do mestre Nelson Rodrigues, que dizia que toda unanimidade é burra. Nesse caso e unanimidade é cúmplice. Não conheço alguém que não goste dele...
Para piorar e melhorar a pequena história, o amigo sobre quem me permito discorrer um pouco tem um coração gigante. E mole! Por trás de palavras contundentes e revoltas bombásticas contra o trem da história quando descarrila, vive um sujeito ímpar.
Tudo bem que não significa o caso de invocarmos o Espírito de Natal ou alardearmos santidade em quem quer que seja. Ele nem aprovaria isso. Mas que  posso me permitir dizer que acredito em anjos, isso eu posso. Ao menos naqueles que enxergo e me fazem ver o mundo como um lugar divino, apesar do humano; e humano, apesar do falso divino.
Feliz Natal, Beni Andrade... Um amigo para chamar de nosso!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Eu quero falar dos que mamam

Preparávamos o programa de rádio Papo de Redação, da Parecis FM de Porto Velho, quando o radialista Sérgio Pires surgiu com o pronunciamento da deputada Cidinha Campos, falando aos seus colegas na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. A gravação está no You Tube e exibe um dos mais contundentes pronunciamentos já registrados contra a corrupção. "Eu quero falar dos que mamam" é a frase que abre a sua fala, dirigida a um plenário bovinamente silencioso. A deputada estava indignada, com o fato de que um político comprovadamente corrupto, filho de um ex-deputado preso pelo mesmo motivo, com agravantes de formação de quadrilha, se candidatava a conselheiro do Tribunal de Contas.
Quando comecei a escrever sobre o impacto que seu discurso causa em quem assiste, achei que seria possível transmiti-lo aqui, em palavras envolvidas pelo manto da crônica. Mas não, não parece ser possível. Melhor é recomendar um acesso ao canal de vídeos e assistir; uma, duas, dez vezes. A força das palavras da deputada é tão grande, tão avassaladora, que além de decidirmos pela repercussão dela em nosso programa de rádio, entendi que deveria escrever algo sobre o que vi e ouvi.
Há muito tempo não via um discurso assim. Sempre admirei os grandes oradores. Muitos dos quais, mesmo com argumentos mais rebuscados, me impressionam pelo que disseram; no improviso ou com base em letras escritas para ficar na história. Mas a deputada Cidinha, ao gritar contra o que chama de canalhas consagrados, deputados associados a uma camarilha, faz um discurso em outro tom. Outro ritmo. Outra dimensão. Ela não nos chama à reflexão ou ao debate. Nem nos convida para entrar na sala de estar e fumar um charuto enquanto discutimos o rumo da política vigente. A deputada rasga verbos e adjetivos. Escancara podridão e raspa a lama das paredes da Casa de Leis onde exerce seu mandato. Ela não parece ter medo. Ao contrário. Parece querer nos dizer, aos brasileiros de qualquer canto, que não é para termos medo. Afinal, a quadrilha que ela condena lá, tem extensões pelos ambientes do poder em todo lugar.
Fizemos do programa na quarta feira de um 14 de dezembro chuvoso, um desabafo de quatro comentaristas calados, com voz de uma mulher entristecida pela sujeira e enlouquecida pela revolta. Ela falou mais uma vez... graças às ondas do rádio, que replicaram para Rondônia e via internet para tantos outros milhares. E vai falar ainda muitas outras vezes. Tantos forem os cliques on line, em busca de desabafos que possam lavar um pouco nossa alma. Pode até ser que não nos redima, nem nos salve. Mas já é um começo. Pena que existam tão poucas Cidinhas em nossos parlamentos. Pena que existam tantos canalhas dentro das urnas...