quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O fim do apagão


Tempos atrás o empresariado criou o Impostômetro. Com a ideia de mostrar aos brasileiros o quanto pagam de impostos, engordando o caixa da União, faminto, sedento e insaciável. Convivemos também com outos "ômetros" importantes. O Bafômetro, aliado à Lei Seca, tem mudado a vida de muita gente. O motorista da rodada é cada vez mais solicitado e pessoas tem sido salvas. Mais pelo medo da multa e consequências do que a consciência; mesmo assim, já é um começo.

O Termômetro anda em alta também. Ainda mais quando está em parceria com o Anemômetro e o Higrômetro (favor pesquisar no Google). De uns anos pra cá quase não existe noticiário sem o mapa com indicações de temperatura e clima. Embora em algumas cidades, como Curitiba e São Paulo, frio, calor, chuva, sol, vento e possível tempestade no decorrer do período aconteçam tudo num dia só.

Quer outro? Cito com louvor o Esfigmomanômetro. O velho aparelho para aferir a pressão. Ou medir, como preferem alguns. Sim, hoje ele é até digital e nunca na história deste país  foi tão importante. Vivemos uma era de pressão em meio a um mar de hipertensos pra todo lado. O Brasil já tem quase 25% de sua população com hipertensão e esse número pode aumentar 80% até 2025.
Falei tudo isso porque escrevi esta crônica no mesmo dia em que Dunga anunciou a "nova" seleção brasileira. Mesmo tendo feito uma promessa que depois do 7 a 1 não torço mais, pensei a respeito e decidi iniciar as pesquisas para inventar o Apagômetro. Sim, um aparelho capaz de prever o apagão em quem quer que seja.

Veja o episódio do time do Felipão contra a Alemanha e depois disso quantas vezes o apagão serviu de desculpa para uma falha. Na hora H, do tchan mesmo, já tem gente dizendo que "isso nunca aconteceu comigo, deve ter sido apagão." Prova no Detran, batida de carro, aniversário de casamento, reunião esquecida, pensão atrasada, relatório meia-boca, enfim, dizer que deu um apagão virou a desculpa da vez.
Um equipamento capaz de prever se alguém vai apagar, não literalmente claro, mas apagar como David Luiz e Cia., seria a salvação do futebol, a solução de conflitos matrimonias e até mesmo da relação entre pais e filhos. Alguém ia apagando e, de repente, o aparelhinho com aplicativo no smartphone avisa a tempo e tudo fica claro, sóbrio e ligado. Olha só, que maravilha!!

Por enquanto o jeito é a gente se virar com auto-ajuda, um complexo B aqui ou ômega 3 ali e uma agenda com alarme no celular. Que pode não ajudar na hora do gol, mas quebra um galhinho.

Um dia será anunciado o Apagômetro. Depois de inventado, antes que eu me esqueça, vou patentear e oferecer a criação para a CBF. Também poderá ser útil ao Governo, já que o Impostômetro não o sensibiliza nenhum pouco. Quem sabe nossos governantes se recordem que somos gente. Quase apagando, mas somos...

sábado, 9 de agosto de 2014

Obituário


Ele sabia que já não se fazem mais obituários como antigamente. Nem mesmo os jornais são feitos como antes. Aliás, poderia ser escrito um obituário para quase tudo, já que a maior parte das coisas de que nos
lembramos parece ter se perdido, ficado enterrada em algum lugar. Mesmo assim insistiu com a editora do jornal.

Pediu, quase implorando, que ela publicasse aquela pequena homenagem para alguém que havia morrido. Pra piorar, a morte havia acontecido há 22 anos. Como explicar a publicação, numa página nobre, de uma nota com a data de vencimento expirada há mais de duas décadas?
De tanto insistir ele a convenceu de ler o texto. Caso não gostasse podia simplesmente manter o não inicial. Sua atenção já era um bom caminho andado. E assim estava escrito:

Não acordou naquela manhã pela primeira vez em 51 anos. Seu coraçãodecidiu que era hora de parar de bater por aqui. Homem simples, pouca vezes alguém ouviu de sua boca um palavrão ou uma frase em voz alta. Era manso... Humilde no trato, amável no jeito, simples na conduta, inteligente e bem informado. Trabalhou muito, a vida toda. Da roça pra cidade, onde serviu o exército, foi barbeiro, estudou, virou bancário, contador, corretor, vendedor, viajante.

Até numa chácara chegou a levar a família pra morar. Para os filhos herança não deixou. Não dessas que se conta no banco. Mas o amor pelos livros, o gosto por modas de viola, o encanto pelo canto dos pássaros, pelo sabor do peixe pescado na hora, seu jeito de acreditar sem precisar ter fé e de ter
fé mesmo quando desconfiava.

Não era de ir à igreja; trazia uma reverência quase santa pela honestidade. Não roubava, nem no truco, na canastra, na sinuca, no xadrez. Gostava de um cigarrinho, lá de vez em quando, ou uma cachacinha de alambique. Tinha que ser das boas. Se era pra ter prazer, que ele fosse genuíno.

Adorava um bom Dodge Dart, ou um Charger RT. O Opala também era
paixão. Falava quase emocionado sobre a potência daquele motor, o ruído clicado da suave troca de marchas. Teve também seus fusquinhas.
E por um bom tempo carregou mulher e filhos numa velha e poderosa
bicicleta preta, Gallo. Por falar em filhos, além da esposa deixou os três bem criados, encaminhados, como diria. Não chegou a ver todos os netos. Quer dizer, não com os olhos que um dia contemplaram seu time quebrar um jejum de 23 anos na fila.

Curioso como aquele coração aguentou tanto e ficou fraco por tão pouco. Nunca falou sobre uma possível doença. O Mal de Chagas, provável causa da morte, só surgiu como informação muito tempo depois. Morte que aconteceu num 21 de maio. Para evitar rompantes de socorro ele se foi quando os filhos estavam longe. Não houve despedida. Não do jeito que a imaginamos, ou desejamos. Foi um corte, um desligar sem  chance, uma parada obrigatória.

Seu nome? Deixo guardado no coração de filho. Você pode preencher com o nome de um pai amado. Se também estiver com saudade...