quarta-feira, 28 de março de 2018

Amigo é planta pra se cuidar




Jamais pensei que depois dos 50 fosse começar a fazer coisas que nunca me imaginei fazendo. Correr, por exemplo: eis uma atividade que me dava calafrios no passado e hoje aquece meus dias. Comecei em ritmo lento e à medida que a quilometragem aumenta o prazer transpira junto. Mas foi outra nova prática que me inspirou a falar sobre amizade.  A vida toda com uma certa  gastura de mexer com terra não me impediu de iniciar o plantio de pimenta. Sim, isso mesmo, as pimentinhas nos vasos entraram em minha rotina. Enquanto cuidava delas me peguei pensando na necessidade que temos de cultivar bem os relacionamentos. Mais especificamente, os amigos.

Claro que a vida muda e nos leva a mudar de lugares, cidades e, naturalmente, de amizades. Muitas delas ficaram lá naquele passado onde eu não corria nem cuidava de plantas, outras permanecem vivas, apesar da distância.  E há aquelas novas que brotam, florescem, nos influenciam, cativam e dão frutos. Nem todos saborosos e maduros, mas isso também passa pelo modo como cuidamos do outro.

Levados cada vez mais a um mundo egocêntrico e frágil, temos aprendido a viver, comer, dormir, passar o tempo sem muito esforço. O suor do rosto que pouco serve para grande parte das atividades atualmente,  fica longe de ser um ingrediente saudável para a manutenção de relacionamentos. Uma pena! O não-esforço pelo amigo pode representar um nenhum-esforço dele num dia de solidão e medo da gente. Tudo é cultivo. Até as Escrituras tratam da semeadura e como podemos colher bem se o plantio e o cuidado forem efetivos, verdadeiros, puros e permanentes.

Planta que brota só na superfície não aguenta vento, sol e tempestade

E como saber se estou cultivando bem essa amizade?

Primeiro é preciso definir bem o conceito. Não são os 152 conhecidos do face ou metade disso do insta que você pode chamar de amigos. O poeta já dizia que amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves. Referindo-se a uma antiga expressão da língua portuguesa que se referia ao hábito da monarquia de guardar os objetos mais valiosos a quatro chaves, na verdade, na mão de quatro funcionários diferentes. O numero sete foi incorporado à expressão por conta de sua conotação cabalística. Aquela coisa de ser o numero da perfeição. “Por favor guarde isso a sete chaves”, diziam os antigos patrícios, incorporando isso aos segredos que compartilhavam com os amigos de verdade.

Ora, se amigos são tão valiosos, quer dizer que são caros. Merecem um olhar atento. Um cuidado constante. Não necessariamente diário. Lembre-se das plantas. Nem todas precisam ser regadas todo dia. Aliás, veja lá se não está aguando demais. Muita conversa em cima do jardim pode murchar até o cacto mais resistente. É preciso conhecer com quem estamos lidando. Qual a medida da atenção. Aprender a ouvir, a sentir, a compreender o tipo da terra, o tempo do crescimento, a necessidade de luz e de sombra. Como a plantinha da amizade está se desenvolvendo.

Vai que você esqueceu que ela existe, ou existiu um dia.

Não, não é o whatsapp que vai resolver isso. Ele pode até encaminhar o reencontro. Mas não da pra ele substituir o abraço, a voz presente, o silêncio de uma comunicação não-verbal de quem se conhece de verdade. Jamais o belo aparelho que você carrega no bolso terá as folhas bem verdes e o fruto saboroso.

Pense bem! Reflita! Como anda o seu jardim de amigos? Vai me dizer que essas plantas todas são de plástico?

terça-feira, 13 de março de 2018

Cansaço daqueles


  
   
Sim, o desânimo acaba chegando um dia. Não há quem não tenha sido visitado por ele. De várias formas, brutalmente ou em conta-gotas, o abatimento mental começa lá pelo alto da montanha que construímos e como uma avalanche desliza destrutivo ladeira abaixo.

Alguns sobrevivem bem, reconstroem sonhos, recomeçam a subida e curam as feridas de forma quase milagrosa. Outros sucumbem, não conseguem mais, simplesmente. E há ainda aqueles cujo deslizamento não foi tão aparente. Nem teve forma de avalanche. O desmoronamento emocional aconteceu tão lentamente que na aparência tudo vai bem. Talvez esses sejam os que mais sofram. Afinal, não saber que o próprio mundo cai é não saber da própria vida.

O que nos leva a um tipo de abatimento com poucos sintomas? Como perceber que o cansaço chegou, mesmo dentro de uma rotina tipo no-break?

Claro que há especialistas em várias áreas de competência emocional, capazes de discorrer sobre fadiga mental e espiritual com eloquência e sabedoria. Muitos deles encontram soluções e cura, com ou sem ajuda química. Mas e se o cansaço for tão grande que até mesmo dos mestres no assunto já estejamos enjoados?

Não censuraria ninguém refratário a alguns gurus. Vivemos um período de proliferação em massa de gênios curadores, coachings sorridentes, líderes salvadores e até mesmo máquinas programadas para dar mais do que receber...

Cansamos muito de tudo isso também!

Pode ser que a opção ideal então seja uma profunda reflexão sobre a simplicidade. Interrogando-nos sobre valores que perdemos e aquela pureza que caiu do varal e foi pisoteada.
Li hoje que o Balão Mágico vai reunir o grupo 35 anos depois. Acho que vou pegar carona nessa calda de cometa e me reencontrar com a criança que amava a vida e acreditava no futuro. Mesmo que isso me obrigue a encontrar outra montanha.